Poesia
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Através do Brasil (XXXVI-Preso)
por Olavo Bilac e Manuel Bonfim


- Não sou ladrão! - continuava Juvêncio.

- Deveras? - dizia o sujeito, com ironia.

- Juro que não sou ladrão! Nem conheço aqueles homens! Nem sou daqui!

Ouviu-se um tropel de cavalos, e reapareceram os dois cavaleiros, que tinham partido em perseguição dos ladrões.

- Os salteadores fugiram; internaram-se pelo mato! - gritou um deles, ainda de longe.

- E que é do cavalo, que eles levavam pelo cabresto? - perguntou o que ficara com Juvêncio.

- Disparou, e não o vimos mais.

- Bem! Enfim, sempre apanhamos um dos patifes, e o coronel há de ficar contente!

Juvêncio estremeceu, ouvindo isso. Sabia bem quanto é terrível, às vezes, a gente do sertão: voltando-se para o homem que acabava de falar, - um sujeito gordo, barbado, já meio idoso, - disse com voz firme:

- Juro ainda uma vez que não sou ladrão, e que não conheço aqueles homens!

- Sim? E então como se explica que o tenhamos encontrado com eles, montando um cavalo roubado?

Juvêncio contou toda a história do seu encontro com os ladrões.

- Ora! Deixe-se de histórias! - acudiu o homem. - Você vai seguir conosco, e lá na fazenda se explicará!

Seguiram, - os dois a cavalo, e Juvêncio a pé, entre eles, vigiado, - pela mesma estrada por onde tinham aparecido.

Correram, durante cerca de hora e meia, e chegaram à fazenda do coronel.

O coronel estava dormindo, mas foi chamado e levantou-se logo. Juvêncio, ainda com as mãos atadas, foi levado à sua presença, - e um dos sujeitos o mais velho, começou a relatar o que sucedera.

O fazendeiro, ouvindo-o, não tirava os olhos de sobre o rapaz, - uns olhos duros, pardos, frios, sombreados por espessas sobrancelhas. Juvêncio, olhando-o também, tremia de medo: aquele homem tinha na face uma expressão de maldade feroz... Era um velho sertanejo, queimado do sol, - cabelos grisalhos, duros e maltratados, uma barba rala e desigual, pele enrugada como um couro franzido.

O homem concluía o seu relatório:

- Os ladrões eram três. Infelizmente, só pudemos apanhar este...

- Sim! - rugiu o patrão. - E os cavalos? Nem os cavalos, nem os ladrões! E é assim que vocês sabem cumprir as minhas ordens e cuidar dos meus interesses? Vocês são tão bons como eles!

- Fizemos o possível! E um dos ladrões está ferido... fiz fogo sobre ele, e ouvi um gemido. Fique tranqüilo: havemos de apanhá-los! E este pequeno, que é filho ou não sei que de um deles, há de dizer-nos onde os poderemos achar!

- Como não? - bradou o coronel - há de dizer tudo! Diga já!

Juvêncio exclamou ainda, com toda a sua força de alma:

- Nada posso dizer, porque nada sei! Não sei quem são aqueles homens!

- Bem! Veremos! Ficará preso, num quarto escuro, e amanhã há de confessar. E será espancado, até confessar!

Juvêncio foi levado a um pequeno quarto, ao fundo da casa, junto da cozinha.

Ficando só, pôs-se a pensar na sorte que o esperava: ser espancado todos os dias, até que se decidisse a confessar... A confessar o que? Um crime que não praticara?! Que ia ser dele, ali, desamparado, sem uma só pessoa que lhe valesse? Que fazer? Dizer quem era, e pedir que mandassem tirar informações, a seu respeito, na sua terra? Mas o padrasto ficaria conhecendo o seu paradeiro, e viria buscá-lo: e seria, de novo, o cativeiro, a tortura, a desgraça...

O rapaz tanto pensou, que, de repente, uma idéia vaga e indefinida a princípio, e precisando-se e acentuando-se pouco a pouco, começou a formar-se no seu cérebro.

Juvêncio concentrou-se, refletiu, e não conteve um grito de triunfo: tinha achado o meio de salvar-se!

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