Poesia
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A Ilha de Cipango
por Augusto dos Anjos


Estou sozinho! A estrada se desdobra

Como uma imensa e rutilante cobra

De epiderme finíssima de areia...

E por essa finíssima epiderme

Eis-me passeando como um grande verme

Que, ao sol, em plena podridão, passeia!


A agonia do sol vai ter começo!

Caio de joelhos, trêmulo... Ofereço

Preces a Deus de amor e de respeito

E o Ocaso que nas águas se retrata

Nitidamente reproduz, exata,

A saudade interior que há no meu peito...


Tenho alucinações de toda a sorte...

Impressionado sem cessar com a Morte

E sentindo o que um lázaro não sente,

Em negras nuanças lúgubres e aziagas

Vejo terribilíssimas adagas,

Atravessando os ares bruscamente.


Os olhos volvo para o céu divino

E observo-me pigmeu e pequenino

Através de minúsculos espelhos.

Assim, quem diante duma cordilheira,

Pára, entre assombros, pela vez primeira,

Sente vontade de cair de joelhos!


Soa o rumor fatídico dos ventos,

Anunciando desmoronamentos

De mil lajedos sobre mil lajedos...

E ao longe soam trágicos fracassos

De heróis, partindo e fraturando os braços

Nas pontas escarpadas dos rochedos!


Mas de repente, num enleio doce,

Qual se num sonho arrebatado fosse,

Na ilha encantada de Cipango tombo,

Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha

A árvore da perpétua maravilha,

À cuja sombra descansou Colombo!


Foi nessa ilha encantada de Cipango,

Verde, afetando a forma de um losango,

Rica, ostentando amplo floral risonho,

Que Toscaneili viu seu sonho extinto

E como sucedeu a Afonso Quinto

Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!


Lembro-me bem. Nesse maldito dia

O gênio singular da Fantasia

Convidou-me a sorrir para um passeio...

Iríamos a um pais de eternas pazes

Onde em cada deserto há mil oásis

E em cada rocha um cristalino veio.


Gozei numa hora séculos de afagos,

Banhei-me na água de risonhos lagos,

E finalmente me cobri de flores...

Mas veio o vento que a Desgraça espalha

E cobriu-me com o pano da mortalha,

Que estou cosendo para os meus amores!


Desde então para cá fiquei sombrio!

Um penetrante e corrosivo frio

Anestesiou-me a sensibilidade

E a grandes golpes arrancou as raízes

Que prendiam meus dias infelizes

A um sonho antigo de felicidade!


Invoco os Deuses salvadores do erro.

A tarde morre. Passa o seu enterro!...

A luz descreve ziguezagues tortos

Enviando á terra os derradeiros beijos.

Pela estrada feral dois realejos

Estão chorando meus amores mortos!


E a treva ocupa toda a estrada longa...

O Firmamento é uma caverna oblonga

Em cujo fundo a Via-láctea existe.

E corno agora a lua cheia brilha!

Ilha maldita vinte vezes a ilha

Que para todo o sempre me fez triste!

(Eu, 48)

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